Texto e fotos: Ariosto Mesquita
Grãos de crambe: potencial para dieta de bovinos
O estudo foi deflagrado em 2009 e vem sendo trabalhado em etapas distintas e consecutivas dentro da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), em Campo Grande, fundamentalmente através da Coordenação de Mestrado e Doutorado em Ciências Ambientais e Sustentabilidade Agropecuária da instituição salesiana.
Nos últimos dois anos, uma tese está avaliando a utilização conjugada de dois subprodutos da produção do biodiesel – farelo de crambe e glicerina bruta – na alimentação de bovinos. Mesmo com conclusão prevista ainda para 2014 (possivelmente ao final de novembro), os resultados parciais obtidos em 2013 permitem que o coordenador do núcleo, professor Luis Carlos Vinhas Itavo já garanta: “a mistura tem potencial para alimentação mantendo desempenho e ganho de peso animal semelhantes aos obtidos a partir de rações convencionais”.
O objetivo do estudo “Potencial de uso de subprodutos da produção de biodiesel na alimentação de bovinos”, tese conduzida pelo doutorando Eduardo Souza Leal, sob a orientação de Itavo, é verificar se o farelo de crambe e a glicerina bruta podem substituir, respectivamente, o farelo de soja e o milho na formulação de concentrados.
No ano de 2012, Leal testou a mistura em bovinos confinados e também em animais suplementados a pasto. Depois a confrontou com três outras combinações diferentes, uma delas o concentrado geralmente utilizado na pecuária brasileira: a base de milho e farelo de soja. O resultado parcial, obtido entre o final de 2012 e início de 2013 foi considerado positivo pelos cientistas e pode ajudar na obtenção do registro do farelo de crambe como base alimentar animal no Brasil.
Após a avaliação de ganho de peso total e de ganho médio diário, os animais foram abatidos. Em seguida os pesquisadores recolheram amostras de carne. “A partir do final de 2013 a pesquisa entrou na fase de avaliação de resultado econômico; estamos mensurando o desempenho de carcaça, cobertura de gordura e composição da carne. Possivelmente no final de novembro deste ano teremos resultados destas análises”, informa Itavo.
Suplementação a pasto
A pesquisa a campo com suplementação a pasto foi realizada na Fazenda Alair, em Rochedo, MS, de propriedade de Eriklis Nogueira. Quatro misturas diferentes foram oferecidas a 60 novilhas nelore que deram entrada no sistema em 14 de junho de 2012 e foram abatidas em 22 de outubro do mesmo ano. As amostras (contrafilé) retiradas destes animais representavam aproximadamente um quilo de carne/cabeça, material em processo de análise nos laboratórios da UCDB.
A mistura de 44,05% de farelo de crambe e de 31% de glicerina bruta (T4) em substituição, respectivamente, ao farelo de soja (fonte de proteína) e ao milho (fonte de energia) foi comparada ao concentrado básico de farelo de soja e milho (T1) e a duas outras composições: uma onde só o farelo de crambe substitui o farelo de soja (T2) e outra onde só a glicerina bruta substitui parcialmente o milho (T3). O GMD - ganho médio (kg/dia) – variou entre 0,66 (T3) e 0,74 (T4 e T2), ficando a mistura T1 com 0,71. As diferenças entre as médias foram consideradas “não significantes” pelas normas estatísticas, segundo informaram os pesquisadores.
O doutorando Eduardo Souza Leal (esq.) e o professor Luis Carlos Vinhas Itavo conduzem a pesquisa no laboratório da UCDB
Em confinamento
Os mesmos percentuais de mistura foram mantidos para a avaliação em confinamento. Dessa vez foram utilizados 40 animais cruzados bífalo (híbrido com genética do bisão norte-americano) com nelore, sendo 20 machos e 20 fêmeas no período de 14 de agosto a 26 de novembro de 2012.
Os tratamentos ao longo de 104 dias foram feitos na área intensiva da Fazenda Escola da UCDB, em Campo Grande, MS. A amostra de carne por animal também observou o peso de médio de um quilo da região do contrafilé e também foi encaminhada para análise de composição em laboratório.
Entre os machos e fêmeas, o tratamento controle de milho e farelo de soja (T1)registrou média de ganho de peso total (GPT) de 106,9 kg/cabeça, com ganho médio diário (GMD) de 1,05 kg/animal. Com a oferta da mistura de farelo de crambe e glicerina bruta o GPT foi de 117,8 kg/cabeça e o GMD de 1,1 kg/animal. Também neste caso, tanto o professor Itavo quanto o seu orientado, Eduardo Leal, consideraram que não houve diferença estatística entre as médias.
Susto
Para se chegar a este ponto, outros três estudos ajudaram a fundamentar a atual pesquisa. Um deles - “Farelo de Crambe em substituição ao farelo de soja na dieta de ruminantes” -, concluído em 2010 (mas não defendido pelo acadêmico Anderson Dias Vieira de Souza), quase colocou “água no chope” da turma da UCDB ao comprovar que o aproveitamento ruminal do farelo de cambre era inferior ao do farelo de soja. Isso sem contar que o percentual de proteína já é ligeiramente inferior no primeiro (37%) em relação ao segundo (entre 44% e 48%).
“O farelo de cambre é rico em compostos antinutricionais do grupo glicosinolatos que atrapalham a digestão e reduzem o aproveitamento da proteína entre 15% a 20%”, explica o professor. Um dos desequilíbrios entre as duas oleaginosas é a presença de duas substâncias: a pectina (de alta digestibilidade) e a lignina (que dificulta o processamento da proteína). “O farelo de crambe tem 0% de pectina e 13,10% de lignina, enquanto o farelo de soja registra 7,5% de pectina e 1,12% de lignina”, detalha Eduardo Leal.
Na avaliação feita sobre quatro vacas fistuladas veio a constatação: o aproveitamento ruminal com a soja foi de 98,5% enquanto o crambe foi digerido em apenas 76,8% de seu volume. O restante foi excretado. A diferença de aproximadamente 20% de desempenho entre os farelos poderia comprometer qualquer indicação futura do crambe para alimentação de ruminantes, em especial de bovinos.
Amostras de carne de animais alimentados com crambe na ração, no laboratório da universidade em Campo Grande, MS
E veio a compensação
Entretanto, surgiu uma luz no fim do túnel. Os pesquisadores perceberam que ao mesmo tempo em que as vacas sentiram a presença do crambe, com o menor processamento ruminal, compensaram consumindo maior volume, algo também em torno de 20%.
Foi a deixa para que os estudos prosseguissem. “Não desistimos, uma vez que o proteico é barato e nossa ideia era conseguir encontrar um eventual substituto para o farelo de soja; creio que hoje o farelo de crambe seja 50% mais barato além do fato de não competir com a soja na produção de alimentos”, explicou.
O fornecimento de farelo de crambe para as pesquisas na UCDB foi feito gratuitamente pela Caramuru Alimentos, de Itumbiara, GO, que usa o grão para a produção de biodiesel. Como ainda não há utilização comercial deste resíduo no Brasil, o excedente é queimado em suas caldeiras.
Outra aposta da equipe da UCDB é de que o percentual de participação do biodiesel como combustível será crescente ao longo dos próximos anos, exigindo produção cada vez maior. A expectativa é de que esta demanda incentive a busca de novas oleaginosas, uma vez que a soja tem compromissos maiores de demanda para alimentação humana.
De acordo com o professor Itavo, os 2,3 bilhões de litros de biodiesel produzidos no ano de 2010 no Brasil vinham das seguintes fontes: soja (80%), gordura animal – sebo bovino (15%), óleo de algodão (4%) e outras fontes (1%). Em 2012, dados da Scot Consultoria já indicavam a seguinte participação: soja (75,2%), sebo bovino (17,2%), óleo de algodão (4,5%) e outras fontes (3,1%) para uma produção de 2,7 bilhões de litros (dados da Abiove – Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais).
O crambe, por sua vez, não concorre com a indústria alimentícia humana e tem mercado hoje limitado à produção do biodiesel, eventual atendimento a segmentos químicos (lubrificantes, plásticos, etc.) e potencial para alimentação de ruminantes. No cultivo tem outras vantagens: baixo risco, ciclo curto (90 dias) e, portanto, ideal para plantio após colheita de soja tardia.
Duas outras pesquisas na UCDB antecederam a atual avaliando o componente “glicerina”. Dessa forma, também auxiliaram na sedimentação de suas particularidades ajudando na adequação à mistura com o crambe. Um dos estudos fez avaliação in vitro da glicerina bruta para nutrição de ruminantes, enquanto outro avaliou o desempenho animal diante de concentrado a base de glicerina.
Colheita de crambe em propriedade no município de Cristalina, GO
Cobertura de solo
Onde é plantado no Brasil, o crambe funciona de duas formas. Além de matéria prima para o biodiesel e outros setores industriais, serve como planta de cobertura, uma ferramenta utilizada por agricultores para a proteção de solo contra stress hídrico, erosões e plantas invasoras, além de garantir a manutenção de boa carga de macronutrientes na terra. Sua principal função é preparar o terreno para uma eficiente safra de verão no Brasil Central. Depois do grão colhido os restos da planta permanecem sobre o solo até as primeiras chuvas de outubro quando então é feito o plantio na palhada.
Rusticidade, ciclo curto (entre 85 a 90 dias), baixo custo e a pouca atração para as pragas são pontos que pesam a favor do crambe para funcionar como parceiro de outras culturas. A utilização de plantas de cobertura pressupõe a prática do plantio direto (semeadura sobre a palhada) que, por sua vez, tem a rotação de culturas como sua base de sustentação.
Pequena disponibilidade do grão é gargalo
Nos últimos anos, apenas o estado de Goiás vem trabalhando o crambe como cultura comercial no Brasil, voltada exclusivamente para a produção de biodiesel. “São aproximadamente cinco mil hectares plantados com uma produtividade média de 1.000 quilos/hectares o que dá uma produção final de cinco mil toneladas”, garante o diretor executivo e há seis anos pesquisador deste grão pela Fundação MS, Renato Roscoe. Em sua opinião, a pesquisa na UCDB é “fundamental” para selar o destino do farelo de crambe para a alimentação de bovinos. “Não há mais dúvidas que o produto é altamente competitivo para utilização na pecuária”, salienta.
Roscoe, no entanto, não esconde certa decepção pela perda de algumas áreas cultivadas pelo Brasil. “O limitador é como o caso de se discutir sobre as origens do ovo e da galinha; o produtor não planta, pois não tem onde entregar e a indústria não processa, pois não há quem produza”, ressalta.
Segundo ele, atualmente só a Caramuru Alimentos processa o crambe para produção do biodiesel. “E a empresa está aguardando resultados conclusivos de pesquisas para solicitar a comercialização do farelo”, acrescenta.
Até 2010 Roscoe lembra que também havia cultivos de crambe em Mato Grosso (região de Sorriso, com perto de 1,5 mil hectares) e no Mato Grosso do Sul (3,5 mil hectares) onde hoje restam apenas 400 hectares cultivados em Maracaju e São Gabriel do Oeste para a produção de sementes.