Publicado em 02/03/2017 12h12

Queijo é utilizado como crédito bancário no norte da Itália

Parmesão é utilizado como penhora no financiamento bancário e fica guardado no cofre durante os 30 meses de envelhecimento
Por: Patrícia Araujo

No lugar de lingotes de ouro, cofres repletos de fôrmas de parmesão. O que pode parecer sonho de amantes de queijo é pura realidade no norte da Itália. Ali, bancos especializados em crédito agrícola decidiram abolir de vez as garantias indiretas para concessão de empréstimos aos produtores do queijo e penhorar o próprio alvo da solicitação de financiamento.

A prática ocorre desde a década de 1950 na região da Emília-Romanha, terra natal do queijo mais famoso do mundo, e ao longo do tempo ganhou tanta importância que hoje mais da metade do parmesão certificado é estocada em “cofres” bancários.

“Para os bancos, a vantagem é a segurança de ter o o queijo como garantia dos empréstimos, uma prática que conhecem e sabem trabalhar desde 1953. Para os produtores, o benefício é obter créditos com uma importante economia de investimentos”, conta Roberto Frignani, diretor-geral do Magazzini Generale delle Tagliate (Depósitos Gerais de Cortes, em português).

A sociedade faz parte do grupo Credem Banking, o maior do ramo, e possui dois depósitos de estocagem e envelhecimento para o parmesão “penhorado”. Um fica na cidade de Montecalvo (próximo a Reggio Emília) e outro em Castelfranco Emília (vizinho a Modena). No total, eles possuem uma capacidade máxima para abrigar 450 mil fôrmas de 40 quilos cada. Por ano, o grupo concede cerca de 100 milhões de euros em empréstimos aos produtores do queijo.

Um dos principais produtos agrícolas italianos, o parmesão foi responsável por um faturamento de 1,9 bilhão de euros (cerca de R$ 6,7 bilhões) em 2015. O valor foi obtido com a venda de pouco mais de 3,3 milhões de fôrmas do produto (num total de 132.800 toneladas), produzidas por 363 queijarias. De acordo com o regulamento do Consórcio Parmigiano Reggiano (nome oficial do queijo), o período mínimo de envelhecimento do parmesão para ser colocado à venda é de 12 meses, mas a média de idade da maior parte do queijo encontrado no mercado é de 24 meses.

Liquidez garantida

Riccardo Deserti, diretor do consórcio, explica que o parmigiano reggiano segue os períodos mais longos de envelhecimento do setor. A maior parte, quase 70% da produção, é consumida aos 24 meses. Por isso, diz ele, utilizar o queijo como garantia é indispensável para dar liquidez aos produtores durante o período de espera pela venda do produto”, afirma Deserti. No total, seis grandes grupos bancários na Itália trabalham com esse tipo de financiamento junto aos produtores do queijo. 

Com uma pequena produção de 800 fôrmas de parmesão ao ano, a Leiteria de Palasone, a 23 quilômetros de Parma, é uma das queijarias mais tradicionais da zona. Mantida pela mesma família desde 1903, o local é atualmente administrado por Andrea Dazzi, que confirma a necessidade dos financiamentos.

“A maior parte dos grandes produtores pega empréstimo, mas nós pequenos também. A maior parte do meu queijo é envelhecida por 30 meses. É dinheiro demais parado. Além disso, você tem de pagar o fornecedor. Meu fornecedor de leite é pago todo mês. E o dinheiro, quando você pega? Se o queijo é envelhecido por 30 meses, você só vê a cor do dinheiro daqui a 30 meses. É preciso sobreviver nesse intervalo de tempo”, afirma.

Bolsa de mercadoria

Atualmente, o quilo do parmesão é cotado entre 8 e 8,50 euros no mercado italiano. Como uma fôrma possui 40 quilos, em média, seu preço varia de 320 a 350 euros. “Com esse tipo de avaliação, os bancos colocam em garantia cerca de 70% a 75% do valor. Isso quer dizer que, se eu sou uma queijaria que produz 10 mil fôrmas ao ano e essas 10 mil fôrmas são avaliadas em 350 euros cada, minha produção vale 3,5 milhões de euros. Com isso, os bancos me dão uma antecipação financeira de 2,4 milhões de euros”, destaca Deserti.

Em contrapartida, as queijarias cedem seus parmesãos recém-produzidos ou com poucos meses de fabricação aos enormes magazines de envelhecimento dos bancos. O tempo médio acordado entre bancos e produtores para quitar o empréstimo varia de 18 a 24 meses, período necessário para que o queijo atinja a faixa de envelhecimento mais desejada pelos consumidores.

Mas o valor “real” de moeda do parmesão não se restringe apenas diretamente aos empréstimos bancários na Itália. Na cidade de Parma, existe uma pequena Bolsa de Mercadoria que se reúne todas as sextas-feiras para deliberar não sobre o preço do ouro ou do petróleo, mas do queijo.

A instituição agrupa representantes de toda a cadeia do parmesão e, examinando os contratos de venda já fechados, estabelece as tendências dos próximos meses para o setor. Os dados são usados como referência por toda a cadeia (que engloba cerca de 50 mil pessoas) e também pelos bancos, no cálculo que é feito para conceder os financiamentos.

Além da pequena bolsa de Parma, no mercado acionário geral, o parmesão também vem ganhando cada vez mais peso financeiro e criando espaço para soluções alternativas ao próprio crédito bancário.

No início deste ano, uma das maiores queijarias de parmesão resolveu entrar no mercado de ações oferecendo títulos de obrigações da empresa, os chamados “minibonds”.

Formada por 40 sócios e com uma produção anual de mais de 60 mil fôrmas, a cooperativa modenesa Caseificio 4 Madonne colocou no mercado, em janeiro, 6 milhões de euros em títulos de obrigações, os “parmesan bonds”.

Como garantia aos acionistas, a empresa ofereceu justamente suas fôrmas de parmesão e, como investimento, um rendimento fixo anual de 5%, além de valorização de 120% do valor das obrigações.

Andrea Nascimbeni, presidente da cooperativa, conta que, em 2012, os produtores tiveram problemas com um terremoto, o que causou um prejuízo estimado em 7,5 milhões de euros.

“Em 2013, ainda nos recuperando do terremoto, o setor inteiro sofreu uma grave queda de valor de mercado. A produção aumentou e o preço diminuiu. Isso nos fez começar a pensar em uma solução ao empréstimo bancário para garantir nossa liquidez e recuperar nossos lucros. Este ano, oferecemos os minibonds num dia e, no outro, já tínhamos vendido tudo”, diz ele.

O reembolso de capital aos acionistas deverá ser feito em cinco parcelas anuais de 20% do valor nominal das obrigações, pagas de 2018 a 2022. A negociação parece ter dado tão certo que Nascimbeni já fala em oferecer novos minibonds em dois anos. “É bem provável, porque estamos muito contentes com o resultado.”

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