Publicado em 12/09/2016 18h41

Gado tomba morto de fome no Nordeste. Se algo mudou foi para tudo continuar igual

A pedido de leitores, Sebastião Nascimento republica texto de 2012
Por: Sebastião Nascimento

Esse texto eu escrevi e foi publicado em novembro de 2012. A pedido de leitores coloco de novo em circulação. E também pelo fato de a falta absurda de água continuar afligindo o nordestino.

Um pouco de Brasil para meus leitores. No começo da década de 80, então repórter da revista Balde Branco, ajudei, certa vez, um fazendeiro nordestino numa tarefa que machucava o coração, apesar de habitual: levantar do chão a vaquinha magra e ferida, que não conseguia parar em pé, tentando evitar a sua morte. Esforço sem glória, pois era só uma questão de tempo – a fome e a sede já haviam deixado estragos irreversíveis no corpinho esquálido do animal.

No final da mesma década, agora repórter do Estadão, o epísódio trágico se repetiria em outra região do Nordeste. Eu presenciei. Novamente não havia água nem comida, e sim carcaças mortas empilhadas em valas sob o sol escaldante. O que ficou gravado em mim para sempre foi a tristeza dos pequenos sitiantes enquanto travavam uma batalha renhida e desigual para não deixarem que o bezerrinho fosse embora para sempre. E ele foi embora.

Pois é, esse meu domingo, amanheceu particularmente desesperançoso. O programa Globo Rural mostrou que o drama se  repete sem solução. Na região de Irecê, Bahia, a jovem repórter auxiliava o sitiante a mudar de lado a pobre vaca cansada e deitada no chão ressequido, a fim de minorar a dor dos ferimentos registrados pela câmera. O motivo: sede e fome, visto que por lá não chove há tempo e os preços do milho explodiram. A reportagem mostrava também os restos empilhados numa vala para ser queimados.

Um filme antigo rodou na minha cabeça. O relato do programa televisivo focava ainda o retorno de um fenômeno que tanto desalento trouxe à história deste país: jovens, alguns deixando filhos e mulheres para trás desparecendo na poeira da estrada e tendo por destino as grande metrópoles, entre elas São Paulo. O resto não é necessário contar.

Olha que tenho acompanhado o drama da seca a abater gente e gado que encorpou novamente este ano no Nordeste pelos jornais de lá. Os de São Paulo igualmente têm dado atenção à tragédia. Confesso que a reportagem de Globo Rural me “pegou” ao mostrar triste e poeticamente que nada mudou, e se mudança houve foi para tudo prosseguir como outrora.

Nos últimos anos, em andanças pelo Brasil, eu e o fotógrafo Ernesto de Souza temos sido testemunhas da melhora de vida do povo, também e principalmente no Nordeste, onde o que mais nos deixa emocionados é a esperança da juventude. Tem surgido muito trabalho por lá, seja na cidade ou no campo. Num hotel do sertão, por exemplo, enquanto caprichava numas caipirinhas, um rapaz de 26 anos de idade, diante da nossa pergunta acerca da queda na migração para o Sudeste que vem ocorrendo nos últimos anos, usou as palavras do poeta Fagner, amado no Ceará, para responder comemorando: “Só deixo o meu Cariri no último pau de arara.”

Programas sociais, como o Bolsa Família (aliás a reportagem da televisão mostra muito bem que, ao contrário de antigamente, o povo do interior sofre mas de fome não morre mais), empresas que se deslocam para a região levadas pelo consumo em alta, a própria modernização das pecuárias caprina e ovina, as quais entraram de vez no mercado, têm melhorado a vida de todo o Nordeste.

Contraria o que coloquei acima, ou seja, as coisas mudam para permanecerem iguais? A resposta – minha – é  que quanto mais ando por esse Brasil imenso menos entendo esse belíssimo país.