Em Minas Gerais, Estado que concentra a maior bacia leiteira do país, o número de indústrias com o Selo de Inspeção Federal (SIF) é muito superior ao de fiscais federais. O resultado é assustador: em estabelecimentos que funcionam dia após dia sem a presença do fiscal, a ausência da inspeção permanente abre espaço para irregularidades e desrespeito ao consumidor.
Nós acompanhamos uma missão de fiscalização da Superintendência do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) na região de Sudeste de Minas Gerais durante uma semana. Junto da equipe de fiscais, bastaram poucos minutos dentro de um laticínio na cidade de Muriaé, em Minas Gerais, para que as irregularidades aparecessem: aberturas no teto, ausência do controle de insetos, sujeira nos ralos e análise em laboratório feita com temperatura errada.
– É preciso colocar forro na parte interna do laticínio, melhorar os autocontroles, uma orientação melhor sobre como trabalhar o produto no laboratório e o controle de qualidade. A empresa tem que melhorar o controle para que a gente ateste que ela consegue colocar um produto de qualidade no mercado – aponta o fiscal agropecuário Eduardo Xavier, durante a inspeção na empresa Dodoca, que foi multada em R$ 5 mil.
Durante a inspeção no laticínio, nossa equipe acompanhou a chegada de um caminhão com quase três mil litros de leite contaminado com antibiótico – o medicamento é utilizado para tratar doenças como mamite e, após o uso, requer um período de resguardo, ou seja, sem utilização do leite.
– Se este leite passa, o consumidor vai comprar um produto com resíduos de antibióticos que podem criar resistência às bactérias que já existem nele. O dia que este consumidor precisar do antibiótico para uma doença mais grave, ele não vai fazer efeito. É uma coisa bem grave! – aponta o fiscal Eduardo Xavier.
Fiscais no limite
A ação que presenciamos só aconteceu porque os médicos veterinários do Mapa viajaram quase 500 quilômetros para inspecionar uma região carente de fiscais. A região de Muriaé, a 314 quilômetros de Belo Horizonte, tem apenas um médico veterinário, Adalberto Duarte Santos, que faz a inspeção em estabelecimentos com produtos de origem animal em 42 municípios.
– Hoje acumulo o cargo de diversas áreas técnicas da Superintendência Federal de Agricultura: o serviço de inspeção federal, o controle de qualidade de alimentos, a parte de sanidade de animais, controle de zoonozes, controle de alimentação animal, fiscalização de fábricas de ração, atendo ao público em geral, atendo empresas, administro a sede... É uma carga muito grande de serviço para um único funcionário. Os concursos são feitos, mas o número de fiscais é muito pequeno para cobrir o déficit – relata Santos.
A chefe do Serviço de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Sipoa) de Minas Gerais, Nazareth Aguiar Magalhães, confirma que a situação é crítica e que, muitas vezes, um mesmo fiscal fica responsável por até 40 laticínios.
– Isto não é só aqui, acontece em outros lugares também. E impacta na eficiência da fiscalização.
Em todo o Estado de Minas Gerais, apenas 74 fiscais federais agropecuários são responsáveis pela inspeção em 779 estabelecimentos industriais de produtos de origem animal. Somente laticínios são 562. Não bastasse o acúmulo de serviço, 12 fiscais de Minas se aposentam no próximo ano, de acordo com o chefe da Divisão de Defesa Agropecuária no Estado, Demerval Silva Neto.
– Minha preocupação é que o pessoal antigo está indo embora. Além disso, está morrendo muita gente. Uma realidade dura de falar, mas estamos perdendo muito colega. Toda vez que a gente vai visitar uma região, voltamos preocupados porque o fiscal está no limite.
Recentemente o governo federal aprovou em concurso o ingresso de 232 novos fiscais federais agropecuários. De acordo com superintendente do Mapa no Estado, Marcílio de Souza Magalhães, apenas seis foram designados para Minas Gerais, número que sequer repõe os nove fiscais que se aposentaram ou faleceram neste ano na unidade.
– Nós temos que considerar que estes mesmos fiscais atuam não só na fiscalização do leite, mas de todos produtos de origem animal: frigoríficos, fábricas de ração, fabricantes de insumos pecuários. É um número que deixa muito a desejar daquilo que seria o necessário hoje para que nós tivéssemos tranquilidade no nosso trabalho – aponta Magalhães.