Por Plinio Nastari*
No acumulado de janeiro a agosto desde ano, o consumo de combustíveis do ciclo Otto (gasolina mais etanol) cresceu 9,05% quando comparado a igual período de 2013. Em gasolina equivalente, o consumo de ciclo Otto até agosto foi de 34.549.183 metros cúbicos, contra 31.681.855 metros cúbicos no mesmo período do ano passado. Este é um crescimento impressionante, em particular quando a economia cresce apenas 0,3% em 2014. Esta performance indica uma elasticidade-renda bastante elevada do consumo de combustíveis leves utilizados em transporte, reflexo do crescimento do mercado de automóveis no Brasil. Este não é um fenômeno novo, ou particular de 2014. O consumo de combustíveis do ciclo Otto cresceu às seguintes taxas anuais, desde 2008: 11,6% (2008), 7,1%, 9,4%, 6,7%, 8,1% e 5,0% (2013).
No mesmo período de oito meses em 2014, o consumo de gasolina C (gasolina pura mais etanol anidro) cresceu 7,17%, portanto abaixo da média do ciclo Otto, em contraste ao aumento observado no consumo de etanol hidratado, de 19,75%. O consumo de gasolina C passou de 26.944.211 metros cúbicos nos primeiros oito meses de 2013, para 28.875.978 metros cúbicos em 2014, aumento de 1.931.767 metros cúbicos. E o consumo de etanol hidratado passou de 6.768.062 metros cúbicos em 2013 para 8.104.579 metros cúbicos em 2014, aumento de 1.336.517 metros cúbicos.
O consumo de etanol anidro, que é misturado à gasolina, também cresceu bem acima do percentual observado para a gasolina C, do qual faz parte. Este fato se explica pelo fato de que desde maio de 2013 a mistura combustível foi elevada de 20% para 25%. O consumo de anidro passou de 6.080.774 metros cúbicos nos primeiros oito meses de 2013, para 7.218.995 metros cúbicos em 2014, aumento de 1.138.221 metros cúbicos, ou 18,72%.
O consumo de gasolina A (pura), nos primeiros oito meses de 2014 caiu 9,10%, para 18.964.816 metros cúbicos, contra 20.863.438 metros cúbicos em igual período de 2013.
Portanto, resumidamente, nos primeiros oito meses de 2014, o consumo de ciclo Otto cresceu 9,05%, o de gasolina C 7,17%, o de etanol hidratado 19,75%, e o de etanol anidro 18,72%, e o consumo de gasolina A (pura) caiu 9,10%.
O consumo de gasolina A caiu apesar do aumento expressivo no consumo de gasolina C. Isso se deveu ao efeito combinado do elevado aumento no consumo de etanol anidro e hidratado. É a queda do consumo de gasolina A que tem propiciado a redução da importação de gasolina.
A importação de gasolina (A) nos primeiros oito meses de 2014 foi de 1.688.427,95 metros cúbicos, contra 2.488.726,22 metros cúbicos em 2013, uma redução expressiva de 32,16%, ou de 800,3 milhões de litros. Esta redução só não foi maior, pois cresceu o consumo de gasolina C como um todo.
A redução de importação de gasolina se repetiu também no último mês de setembro, quando foram importados 72.732,73 metros cúbicos, contra 141.583,84 metros cúbicos em setembro de 2013.
Em 2014, o preço médio de importação da gasolina foi de 0,73 centavos de dólar por litro – à taxa de câmbio de 2,50 por dólar, equivalentes a R$ 1,825 por litro. Portanto, a redução na importação de gasolina em 2014 (janeiro a setembro), propiciada pelo aumento no uso do etanol, permitiu uma economia de 634 milhões de dólares na balança comercial.
Caso não tivesse havido nenhum aumento no consumo de etanol, anidro e hidratado, somente nos primeiros oito meses de 2014 o consumo de gasolina teria sido maior em 2.073.782,9 metros cúbicos, o que teria gerado uma importação adicional que teria custado ao país US$ 1,51 bilhão adicionais.
Esta tem sido a contribuição silenciosa que o setor do açúcar e do etanol tem dado à balança comercial e à saúde da economia brasileira, ao mesmo tempo em que atravessa a pior crise de sua história. Crise que tem como principal fundamento o subsídio de preço à gasolina, e a política fiscal que zerou a taxação (CIDE) incidente sobre a gasolina. Entre janeiro e setembro de 2014, a defasagem de preço média da gasolina foi de 17,85%, segundo o acompanhamento diário da DATAGRO.
E enquanto o país importa gasolina a um preço médio de R$ 1,83 por litro (ao cambio atual), o preço do anidro que a substitui numa relação 1:1 é de apenas R$ 1,3 por litro, e o do hidratado é de somente R$ 1,14 por litro.
É lamentável que a política pública não esteja valorizando a contribuição que o etanol tem dado para o equilíbrio do mercado de combustíveis do ciclo Otto. O maior consumo de etanol tem sido viabilizado, nos últimos dois anos, por um aumento de produção que ocorre porque o preço do açúcar se encontra depreciado, em função de estoques elevados no mercado mundial. No entanto, esta situação tende a se inverter no futuro o que, na falta de uma perspectiva de valorização do etanol combustível, pode gerar um novo ciclo de aumento e dependência por gasolina importada.
*Plinio Nastari é presidente da DATAGRO Consultoria, mestre e doutor em economia agrícola pela Iowa State University, foi presidente do Conselho Diretor da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA), e professor de micro e macroeconomia na EAESP-FGV.