"China, a pedra no sapato dos exportadores brasileiros" – com esse título foi publicada matéria em AMANHÃ, em junho de 1995, do então editor Elmar Bones, que regressara de viagem à China com a convicção que o país tomaria espaço do Brasil na economia global. Naquele ano, o total de exportações da China atingiu US$ 156 bilhões. Em 2022, US$ 3,5 trilhões. Passadas quase três décadas dessa publicação em AMANHÃ, eis que dia 16 de fevereiro de 2023 a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), com sede em Novo Hamburgo (RS), anuncia em seu site: "Invasão asiática – A Abicalçados demonstra preocupação com os mais recentes dados das importações brasileiras de calçados. (...) em janeiro, as importações de calçados alcançaram US$ 49 milhões, 104% mais do que no mesmo mês do ano passado. Representando mais de 80% das importações aparecem três países asiáticos: China, Vietnã e Indonésia."
Imagem de Markus Distelrath por Pixabay
O problema maior para as indústrias calçadistas não é mais a China, e sim o Vietnã, a Indonésia, e outros países asiáticos, para os quais está sendo transferida, há vários anos, a produção industrial com utilização intensiva de mão de obra. Isso porque os custos com pessoal nas indústrias da China subiram muito, desde o início dos anos 2000, fenômeno divulgado em 2017, a partir de estudo realizado pelo Euromonitor, comparando salários de países asiáticos.
Quem acompanha as trajetórias do desenvolvimento econômico e particularmente da indústria e do comércio exterior da China e do Brasil nesses quase 30 anos, pode bem imaginar que cenário nos aguarda em 2030, se não conseguirmos eliminar (ou reduzir) os dois principais fatores limitantes para a indústria nacional, segundo o estudo Competitividade Brasil 2021/2022, publicado anualmente (desde 2010) pela Confederação Nacional da Indústria: custo e acesso a financiamento e custos de transportes, resultantes do domínio absoluto do modal rodoviário e da consequente insuficiência dos modais fluvial e ferroviário, na contramão das realidades chinesa, norte-americana e europeia.
Nesse contexto, não há justificativa para o Brasil continuar de fora do "Cinturão e Rota", o mega projeto chinês de conectividade mundial, em execução desde 2013, com mais de 100 países participando – na América do Sul, além do Brasil, somente o Paraguai não participa –, e através do qual o país poderá finalmente conseguir acesso ferroviário ao Pacífico e duplicar a medíocre malha ferroviária, reduzindo assim custos de produção e comercialização de todos os setores da economia, com destaque para a indústria e a agropecuária.
Ainda não se sabe o que será tratado na visita do presidente Lula à China, no final de março. Há a expectativa de que ele negocie para reduzir a desigualdade tecnológica no comércio entre os dois países, pauta antiga, mas mais atual do que nunca. Mas... conhecendo a cultura negocial chinesa, a enorme importância do "Conexão e Rota" para o país, e a importância do Brasil para a China – nos considera um parceiro estratégico –, tomara que o governo federal brasileiro tome a decisão de participar e, "no pacote", negocie os recursos para a infraestrutura que o país tanto precisa. Como sonhar não custa, bem que poderia incluir nesse pacote o convite para bancos chineses entrarem no mercado brasileiro, criando a concorrência que hoje inexiste no setor financeiro, para que assim haja crédito de longo prazo e a custos semelhantes aos internacionais.