Pesquisadores do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa, da Universidade de São Paulo (USP), pretendem editar o DNA da cana-de-açúcar, para aumentar sua produtividade. A ideia central é permitir a produção de açúcar duas vezes ao ano e aumentar a produção de bioetanol.
O primeiro passo será sequenciar o genoma para obter o nível de genes da planta. A ideia não é gerar uma planta transgênica, uma vez que não, serão inseridos genes estranhos à cana-de-açúcar. O trabalho é conduzido pelo biólogo Marcos Buckeridge.
“A cana produz açúcar apenas uma vez ao ano. Nossa ideia é fazer com que isso aconteça duas vezes ao ano, a exemplo do que ocorre com o milho, que tem a safra principal e a chamada safrinha", destacou. A técnica utilizada rendeu o prêmio Nobel de Química em 2020 para suas criadoras, a microbiologista francesa Emmanuelle Charpentier e a bioquímica norte-americana Jennifer Doudna.
De posse do mapeamento genético da cana-de-açúcar, o passo seguinte será observar em conjunto os hormônios e o sistema sensor de açúcares da planta para conseguir entender de que forma acontece o crescimento, bem como a produção de sacarose.
“Graças a uma pesquisa realizada pelo Lafieco [Laboratório de Fisiologia Ecológica de Plantas], em 2018, descobrimos que entre três e seis meses de vida a cana passa a ser uma grande armazenadora de açúcar, sobretudo por causa de um conjunto de genes que são chamados de sistema sensor de açúcares. É durante esse período que o crescimento dispara”, conta Buckeridge. “Agora queremos investigar mais a fundo esse processo para entender como ele acontece. Mas só vamos conseguir fazer isso se também observarmos os hormônios responsáveis pelo sistema de comunicação, que informam a planta de que está na hora de crescer. Essa etapa será feita com a colaboração da professora Eny Floh, do IB-USP."
Para que essa análise seja possível, o grupo vai lançar mão de uma técnica de edição genética conhecida como CRISPR-Cas9 (sigla para Conjunto de Repetições Palindrômicas Regularmente Espaçadas, que funciona com uma proteína associada, a Cas). Trata-se de uma ferramenta desenvolvida pela microbiologista francesa Emmanuelle Charpentier e a bioquímica norte-americana Jennifer Doudna, que graças ao feito receberam o Prêmio Nobel de Química em 2020.
O aumento da produção de açúcar e também do volume de biomassa da cana (no caso, bagaço e palha) vai possibilitar produzir o chamado etanol de segunda geração, entre outros produtos. “Esse resíduo pode ser fermentado e aumentar em até 40% a produção de etanol no país. Além disso, é possível aproveitar polímeros presentes nas fibras da cana-de-açúcar, a exemplo do betaglucano, que pode ser utilizado em cosméticos antirrugas, como complemento alimentar e também pela indústria farmacêutica por ser um potente antidiabético”, conta Buckeridge.
Ao longo do projeto, os experimentos serão testados com auxílio de modelagem matemática. “Por meio de cálculos com base em dados científicos confiáveis, a modelagem fisiológica acoplada aos dados ambientais utilizando inteligência artificial deverá permitir averiguar como nossos testes feitos em laboratório funcionariam em campo e também de que forma a cana-de-açúcar vai se comportar em ambientes extremos, com estresse hídrico, aumento de temperatura e excesso de gás carbônico, por exemplo”, esclarece Buckeridge.
Além da cana-de-açúcar, o projeto vai trabalhar com outras duas matérias-primas. Uma delas consiste nas lentilhas d´água (como a Lemna minor, por exemplo), plantas aquáticas da família das Araceae, a mesma dos lírios e pacovás.
“As lentilhas d´água são minúsculas e crescem tão rápido quanto a cana. Podem ser usadas para produzir bioetanol, pois produzem biomassa em grande quantidade sem precisar de terra. Para completar, essas plantas combatem a poluição da água, podem ser usadas como complemento alimentar e produzem substâncias que têm potencial para serem utilizadas no desenvolvimento de medicamentos contra a COVID-19”, destaca Buckeridge.
A equipe do projeto também vai estudar o resíduo de soja. “No Brasil, ele é produzido em maior quantidade do que o bagaço de cana. Nossa ideia é descobrir novos usos para esse material. Estamos aprendendo rápido sobre como a soja brasileira responde ao elevado dióxido carbônico atmosférico combinado com estresse hídrico e alta temperatura”, relata o pesquisador.
“Já sabemos que há mudanças importantes na composição química. Para a soja, teremos de seguir um caminho similar ao da cana e aprender como a sua composição deverá mudar com as mudanças climáticas globais, de forma a aproveitar ao máximo essa biomassa de grande valor para o Brasil.”