Publicado em 22/09/2014 18h36

[Artigo] Agrodependência: uma realidade que exige uma nova consciência

Por José Luiz Tejon Megido, Diretor Vice Presidente de Comunicação do Conselho Cientifico para a Agricultura Sustentável (CCAS), Dirige o núcleo de agronegócio da ESPM, Comentarista da rádio Estadão.
Por: Tatiana Freitas

Por José Luiz Tejon Megido, Diretor Vice Presidente de Comunicação do Conselho Cientifico para a Agricultura Sustentável (CCAS), Dirige o núcleo de agronegócio da ESPM, Comentarista da rádio Estadão.

O Brasil, no acumulado do primeiro semestre teve um déficit na balança de pagamentos de US$ 2,49 bilhões. Se não fosse o agronegócio, esse déficit seria de US$ 43,3 bilhões, e a situação do país estaria insustentável. O agronegócio foi responsável por uma venda de US$ 49,1 bilhões, gerando um saldo positivo na sua conta de US$ 40,8 bilhões. 

Neste ano, no cenário econômico do país, só nos resta rezar e esperar por uma venda na casa dos US$ 100 bilhões no agronegócio para termos alguma chance de terminar o ano com alguns trocados positivos no caixa. O capitão de indústria, Antonio Ermirio de Morais, dizia que a força brasileira e que deveria puxar sempre o crescimento é o agronegócio. Ele afirmava termos as condições e os talentos, ou seja, fatores críticos de sucesso mais prontos. E que a indústria seguiria a reboque.

Para compreendermos essa posição, precisamos nos despir dos conceitos antigos, de associarmos esse novo agronegócio a simplesmente “commodities”. Hoje o balanço de pagamentos do país tem 50,4% conectados ao que classicamente chamamos de produtos básicos, a maior participação desde 1978. Mas a tecnologia envolvida nesse tal de produtos básicos mudou extraordinariamente e mesmo na mineração, aspectos de segurança, logística, automação, diferenciação de matérias-primas, acesso a mercados e inteligência de gestão mudaram espetacularmente.

O  agronegócio, o responsável pelo único êxito no acerto das contas do país, até agora, revela um contexto de tecnologia, índices de produtividade ascendentes, educação, formação e espírito guerreiro do setor que combate com estruturas de logística, impostos riscos e custos, os quais não controlam, mas que tem superado e vencido.

Se estamos tendo uma diminuição dos preços dos grãos, neste momento, por uma previsão de super safras de soja e milho, no mundo, falamos ainda de uma saca de 60 kg de soja em torno de R$ 55 a R$ 60, o que é sim o menor preço dos últimos quatro anos, porém, bem acima dos patamares clássicos históricos, o que permite aos agricultores, aqueles que realizam uma competente gestão, estarem ainda com lucro, mesmo com os preocupantes custos incontroláveis crescendo.  Por outro lado, no reino da proteína animal estamos vivendo um momento único na história da produção e das vendas.

No primeiro semestre deste ano o Brasil aumentou a receita com exportações na carne bovina, comparado ao mesmo período do ano passado, em 15% Hong Kong, Rússia, Venezuela, União Europeia e Egito, nossos maiores clientes, onde Hong Kong, leia-se distribuição e capilarização para a China que agora abre o mercado chinês para vendas diretas brasileiras. A suinocultura teve preços ascendentes e demanda maior, tanto interna quanto externa, e a avicultura opera com expectativas de crescimento no segundo semestre deste ano. 

As recentes confusões geopolíticas envolvendo a Rússia, abriu mercados para o Brasil, e, no mês de junho a Rússia foi o nosso cliente que mais cresceu. A Venezuela, da mesma forma, numa crise agroalimentar, veio na segunda posição. E a China, com um consumo per capita de carne vermelha de apenas 6kg/ano, e com a necessidade de transferir cerca de 400 milhões de habitantes do campo para a cidade nos próximos 30 anos, revela necessidades seguras de oferta de alimentos mais nobres. 

Importante ainda comentar sobre o mercado halal, os consumidores muçulmanos, cerca de 2,2 bilhões de pessoas, onde o Egito, Irã, Argélia figuram como os três maiores destinos da carne brasileira. Essa agrodependência, se for tratada com respeito e num contexto de agrossociedade com todos os elementos que a compõem no antes, dentro, pós-porteira das fazendas e no além do pós-porteira, incluindo serviços, turismo, nichos, especialidades e a alta tecnologia embutida, com educação sofisticada, representa uma vocação legítima e verdadeira do Brasil no cinturão tropical planetário. 

O povo brasileiro, eleitores das grandes cidades pesquisados pela Abag/ESPM neste ano, considerou numa proporção maior do que 90% que o agronegócio é muito importante para o Brasil, e ainda é o grande gerador de empregos, mesmo nas cidades. A voz do povo é a voz de Deus, quando perguntados livre e corretamente a respeito dos importantes valores das suas vidas.

Essa nova consciência precisa vir forte e clara, não apenas nos papéis bem intencionados dos presidenciáveis, mas como um foco a ser bem tratado, pois, a partir dele, puxaremos o resto dos setores. As associações da agrodependência, formatados com preconceito e menosprezo, não ajudarão em nada ao próprio agronegócio, e principalmente a todos os demais setores da indústria, comércio e serviços brasileiros. 

O mundo mudou e não se extraem mais produtos básicos como antigamente. Isso agora chama alta tecnologia, logística, educação e formação, marketing e gestão sofisticada. E que, acima de tudo, o governo ajude e não atrapalhe, como no caso do biocombustível.

Sobre o CCAS
O Conselho Científico para Agricultura Sustentável- CCAS é uma organização da Sociedade Civil, criada em 15 de abril de 2011, com domicilio, sede e foro no município de São Paulo-SP, com o objetivo precípuo de discutir temas relacionados à sustentabilidade da agricultura e se posicionar, de maneira clara, sobre o assunto.

O CCAS é uma entidade privada, de natureza associativa, sem fins econômicos, pautando suas ações na imparcialidade, ética e transparência, sempre valorizando o conhecimento científico.

Os associados do CCAS são profissionais de diferentes formações e áreas de atuação, tanto na área pública quanto privada, que comungam o objetivo comum de pugnar pela sustentabilidade da agricultura brasileira. São profissionais que se destacam por suas atividades técnico-científicas e que se dispõem a apresentar fatos concretos, lastreados em verdades científicas, para comprovar a sustentabilidade das atividades agrícolas.

A agricultura, apesar da sua importância fundamental para o país e para cada cidadão, tem sua reputação e imagem em construção, alternando percepções positivas e negativas, não condizentes com a realidade. É preciso que professores, pesquisadores e especialistas no tema apresentem e discutam suas teses, estudos e opiniões, para melhor informação da sociedade. É importante que todo o conhecimento acumulado nas Universidades e Instituições de Pesquisa seja colocado à disposição da população, para que a realidade da agricultura, em especial seu caráter de sustentabilidade, transpareça.
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