Texto e fotos: Ariosto Mesquita
Touro Jagunço, quatro anos, 750 kg – 200 doses de sêmen “guardadas em casa” por Thomas.
Ele mergulhou nas profundezas do Pantanal para pegar a laço e a unha os bovinos selvagens. Uma tarefa, no mínimo, hercúlea. Agora, ao lado de parceiros como a Embrapa, luta contra os riscos de extinção do rebanho. Mais do que isso, resolveu tocar comercialmente uma fazenda exclusivamente com estes animais. “Até hoje me chamam de louco”, admite.
O certo é que o caminho escolhido pelo criador Thomas Horton, de 48 anos, dentro da pecuária brasileira, não é dos mais pavimentados. O neto de ingleses paga o preço do pioneirismo de brigar pelo resgate de quase 500 anos de história do Bovino Pantaneiro, batalhar para a ampliação do parco rebanho sobrevivente e transformar este grupo de animais (originário de taurinos europeus) oficialmente em raça no Brasil.
Mas ele não está sozinho. Além de ter a Embrapa Pantanal (Corumbá, MS) como parceira tecnológica neste processo, Thomas é vice-presidente da ABCBP – Associação Brasileira dos Criadores de Bovino Pantaneiro -, entidade que reúne 12 pecuaristas (cinco no MS e sete no MT), sediada em Poconé, MT -, que pleiteia o registro da raça no Brasil.
A tarefa não é fácil. A história destes animais vem dos primórdios do Brasil Colônia, ainda no século XVI. Originários da Península Ibérica, entraram no País por terras onde hoje é o Estado de São Paulo e pela Bacia do Prata, adaptando-se, ao longo dos séculos, na planície pantaneira. Com a chegada, adaptação e disseminação de animais de raças zebuínas no Brasil ele foi, aos poucos, perdendo espaço de mercado. Estima-se hoje a existência, no Brasil, de 500 animais considerados “puro sangue” e não mais do que 1.600 cabeças entre cruzados e puros.
Atualmente Thomas trabalha com 60 animais – 90% puros, segundo ele - em sua propriedade de 96 hectares no Pantanal do Rio Negro: Fazenda Dois Irmãos, em Rio Negro, MS (distante 170 km de Campo Grande), adquirida exclusivamente para o trabalho com o bovino pantaneiro. O objetivo dele é ampliar este rebanho e posteriormente retomar o cruzamento com fêmeas nelore, já testado em situações anteriores.
Mas para conquistar estas poucas dezenas de cabeças, penou bastante e ainda está longe de lucrar com este grupo. “Até o momento não consigo viver financeiramente destes animais. Com a venda de bezerros e vacas descarte consigo custear apenas 30% de meus gastos com animais na fazenda. Minhas despesas totais ficam perto de R$ 100.000 ao ano, incluído ai os custos com reforma de pastagem”, confessa o criador. Em 2014, ele vendeu três garotes de dois anos (R$ 2.700 cada); 10 garrotes desmama (R$ 900 cada) e duas vacas descarte (R$ 1.350 cada).
“No rebanho tenho atualmente dois touros adultos, um garrote já em produção, 35 fêmeas em reprodução, 15 bezerros já desmamados e mais alguns em desmame. Possuo ainda 12 animais que cedi para pesquisas no campus da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS) em Aquidauana”, conta o criador que consegue pagar as contas da fazenda e tocar a vida com a ajuda da renda obtida com uma franquia de escola de línguas que possui em Campo Grande, MS.
Dos 96 hectares (ha) da fazenda adquirida em 2013, 40 ha abertos estão destinados para a criação – mantendo uma lotação de 1,4 unidade animal (ua)/ha. Este ano ele pretende terminar a reforma dos últimos oito ha deste talhão. Mais 35 ha ainda permanecem brutos e são compostos de campos e reserva legal. Ao todo, pretende ofertar, até 2017, 75 ha de pasto em sistema rotacionado, mantendo 20 ha de reserva legal.
“Tenho de ir devagar para não atrapalhar o manejo, o que colocaria em risco a oferta de comida para os animais. Também cultivo um hectare de cana para usar no cocho entre agosto e outubro, período mais seco por aqui”, conta. Em todo o sistema trabalha com as forrageiras piatã, humidicola, decumbens, paiaguás (braquiárias) e massai (panicum).
Para dar retorno satisfatório e tornar-se financeiramente rentável, a fazenda deve, segundo ele, aumentar seu rebanho em médio prazo. Seu planejamento já está delineado até final de 2016 / início de 2017. “Com 80 vacas adultas em idade fértil e média de desmama de 80%, teremos 64 bezerros e bezerras. Quero separar 12 fêmeas para reposição e cinco bezerros para tornarem-se touros. Portanto, vendendo 12 vacas, 20 novilhas e 27 bezerros terei uma renda bruta anual hoje na casa de R$ 62.000, o suficiente para bancar os custos da propriedade, sem contar as despesas com a reforma de pastagem. A partir da venda de cinco touros a R$ 4.000 cada, terei uma margem de lucro para formar um pequeno capital de giro”, detalha.
Além disso, o criador garante que seu rebanho atrai muitos curiosos, a começar dos próprios alunos de sua franquia de línguas. Somando isso à localização da fazenda – Pantanal do Rio Negro – ele acabou vislumbrando nova fonte de renda. “Em agosto deste ano começo a implantar uma estrutura de pousada para receber até 20 hóspedes. Serão dois grandes chalés com capacidade para 10 pessoas em cada um, mais churrasqueira e piscina”, revela. O equilíbrio econômico completo do sistema ele pretende conseguir em até dois anos.
Thomas Horton e seu pai, Jeremy (Jerry) Wood Horton
Tem mercado?
Quando indagado sobre a viabilidade comercial destes animais, Thomas cita um abate técnico realizado pelo frigorífico Naturafrig (na época, Navicarnes) na cidade de Rochedo (80 km de Campo Grande) em 17de abril de 2012. No lote, 14 bovinos pantaneiros (de seu rebanho) e 14 nelore. Todos machos de 30 meses. Na balança, enquanto vivos, os primeiros apresentaram um peso médio 15% menor em relação aos animais nelore. “Depois do abate e da desossa pesamos a carne resfriada e o lote de pantaneiros rendeu 12% a mais”, conta, lembrando que todo o procedimento foi acompanhado por dois técnicos especialistas da Embrapa Gado de Corte.
A explicação, segundo Thomas é o fato do zebuíno ter mais estrutura óssea. “O osso do pantaneiro é menor e mais fino; é a carga do sangue europeu. Com menos estrutura óssea sua exigência de comida é menor. Seguindo este raciocínio, é possível colocar um número maior de animais por hectare de pasto. Isso não seria muito significativo em uma fazenda pequena, mas 12% a mais de fêmeas em uma propriedade de 1.000 ha faz muita diferença”, avalia.
Há ainda, segundo ele, o fator economia nos gastos com nutrição. “Com uma lotação 12% maior pressupõe-se que cada animal tenha 12% a menos de necessidade de pasto. Alem de consumirem menos capim, lambem menos sal. Ofereço proteinado o ano todo, sendo 150 gramas/animal nas águas e 250 gramas/animal na seca, ou seja, algo em torno de 20% a menos do que damos a um nelore”, explica.
De acordo com o criador, além da rusticidade adequada a ambientes como o Pantanal, os animais também ganharam boa resistência a carrapatos, uma “excepcional” habilidade materna e um couro diferenciado, mais grosso e elástico. “Nossa idéia não e tomar lugar de ninguém, apenas atender demandas no Pantanal em pequenas e médias propriedades que queiram cruzar seu animal nelore e obter bezerro com ganho de peso melhor, qualidade de carne e custo menor. Também e possível trabalhar com o animal puro”, detalha.
A Embrapa Pantanal avalia que estes bovinos possuem boa capacidade produtiva e reprodutiva, baixo custo de mantença e docilidade. Comercialmente, vislumbra duas frentes principais: o uso de touros selecionados em sistema de cruzamento para abate de F1 (meio sangue) e a criação de bezerros puros para suprir demandas de carne gourmet, atendendo nichos de mercado. A Embrapa entende ainda que o bovino pantaneiro também possibilita atividades de turismo gastronômico e histórico na propriedade.
Fazenda Dois Irmãos, no Pantanal do Rio Negro: espaço laboratorial para o trabalho da Embrapa com o Bovino Pantaneiro
Laboratório
Mesclando uma boa dose de idealismo, estratégia, determinação e uma indisfarçável paixão pelo boi pantaneiro, Thomas Horton parece ser daqueles criadores determinados a fazer história. “Minha propriedade hoje é fazenda laboratório da Embrapa. Tenho um contrato firmado como pessoa física. Pesquisadores quando vêm, passam entre 10 a 15 dias. Já são de casa. Trabalho com estes animais, pois sei do potencial”, afirma o criador, que faz a sua aposta comercial futura no resultado de cruzamento do pantaneiro (macho) com o nelore (fêmea).
Sobre isso, lembra quando viu as primeiras crias de um experimento em área de Cerrado, realizado quando arrendava a Fazenda Santo Augusto, de 300 hectares, em Terenos, MS, em 2011 e 2012. “Quando os primeiros meio-sangue nasceram, vi que eram pequenos, não machucavam as mães e cresciam muito rapidamente, desmamando igual ou com mais peso do que as crias nelore e com um custo operacional muito menor, uma vez que demandavam poucos remédios contra moscas e carrapatos, por exemplo”, conta.
A partir do momento em que o MAPA conceder o registro da raça (já solicitado), Thomas vislumbra um salto na valorização de seu trabalho. “Meus animais puros serão de elite; o que representa perto de 90% do que tenho. Automaticamente passam a merecer valor diferenciado. Tudo está pronto para isso. Meu rebanho é pequeno e bem cuidado; sabemos quais são os cruzamentos, conto com o monitoramento científico da Embrapa e já usamos ferramentas tecnológicas como IATF e FIV. Também transferimos embriões de Bovino Pantaneiro puro para barrigas de aluguel de gado comercial; são de animais que estão aqui na fazenda”, explica.
Neste momento, seu pai, Jeremy (Jerry) Wood Horton, 70 anos, que acompanhava a reportagem, não se segura: “e depois chamam meu filho de louco! Não tem loucura nenhuma. O que o pessoal faz por ai na pecuária? Cruza nelore com animal de sangue europeu, certo? E o que é o bovino pantaneiro? Justamente um animal de sangue europeu...”
“Com algumas diferenças”, interrompe o filho. “O animal resultado do cruzamento de nelore com angus, por exemplo, fica ofegante quando o sol está rachando. Enquanto isso, o meio sangue bovino pantaneiro estará pastando normalmente. Mesmo sendo de origem europeia ele passou por uma seleção natural dentro do Pantanal durante mais de 400 anos e, de certa forma, está adaptado à região”, explica.
Mas tudo o que Thomas Horton vislumbra hoje é fruto de muito esforço próprio a partir do momento em que a possibilidade de trabalhar com estes animais praticamente caiu em seu colo há sete anos. Antes disso, pesquisadores chegaram trabalhar com a raça (desde 1984), mas os avanços, apesar de importantes, ficaram limitados.
Os primeiros estudos científicos focados nestes animais foram realizados em uma época em que o Bovino Pantaneiro também era chamado de “tucura” ou “cuiabano” e era sinônimo de animal ruim. Diante do risco de extinção, a Embrapa iniciou nos anos 1980 um trabalho de estudo de delineamento do rebanho e de sua genética para futura obtenção de registro da raça (pedido encaminhado pela ABCBP em 2014 e atualmente em trâmite no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA) e para posterior expansão da população. No entanto, os pesquisadores encontravam dificuldades para dialogar com os fazendeiros e ter acesso às propriedades pantaneiras onde estes animais viviam (e alguns ainda podem ser encontrados) em estado selvagem.
Habilidade materna é uma das características dos bovinos pantaneiros
Este quadro começou a tomar novo rumo quando um grupo norte-americano chegou ao Pantanal disposto a comprar uma grande fazenda e convidou Thomas para fazer o trabalho de intérprete. Estava aberta a porteira. Na época, ele trabalhava utilizando homeopatia em criação orgânica de ovinos (chegou a ter 1.320 matrizes), mas a atividade definhava, segundo ele, pelos altos impostos e falta de políticas públicas.
De repente aterrissa no Pantanal a ONG Panthera, na pessoa de seu próprio presidente e fundador, Thomas Scott Kaplan. A organização estava disposta a comprar terras para trabalhar com estudo e preservação da onça pintada. “E lá vou eu como intérprete rumo ao Pantanal do Paiaguás onde eles adquiriram a Fazenda Jofre, de 40 mil hectares, no lado mato-grossense e a Fazenda São Bento, de 26,6 mil hectares em terras sul-mato-grossenses, as duas conjugadas. Na época eu e meu pai conseguimos viabilizar até helicóptero para que a direção do grupo conhecesse o que estava comprando e isso acabou gerando certo vínculo entre nós e a ONG”, explica.
De acordo com o relato de Thomas, Kaplan, que não tinha muitas informações sobre a criação de bovinos no Pantanal, aos poucos passou a ser interessar pelos animais selvagens que viu ao fazer o sobrevôo de helicóptero. Eram justamente os Bovinos Pantaneiros em estado feral na região na planície. A identificação visual era feita pelo próprio Thomas: “O animal puro geralmente é mais baixo, as linhas do rosto são bem definidas lembrando muito do Jersey, o dianteiro é mais avantajado e a pelagem puxa mais para o Castanho escuro, vermelho, preto ou chitado de branco, de preto, brazino ou galante”.
Mais uma vez ele e seu pai foram decisivos. Identificados os animais, os dois intermediaram uma conversa entre a ONG e a Embrapa, que estudava o Bovino Pantaneiro desde 1984 e vivia na expectativa de estender suas pesquisas na região destas fazendas.
“O Kaplan, como vegetariano, decidiu produzir o que ele chamou de ‘boi verde’. A primeira reunião entre os norte-americanos, pesquisadores brasileiros e a direção-geral da Embrapa Pantanal aconteceu em 2009. Na época, a cientista Raquel Juliano, responsável pelos estudos, ganhou um enorme estímulo, pois queria intensificar o trabalho com o Bovino Pantaneiro nas duas fazendas e ainda não tinha informações sobre quem eram os novos donos. Daí começou a se solidificar uma parceria”, relata Thomas.
Na verdade, foi neste momento em que teve início a história do criador com estes animais. Como a ONG toca outros projetos pelo mundo, era necessária a figura de um interlocutor, uma espécie de porta-voz oficial na relação com a Embrapa. “Assumi a representação dos norte-americanos nas fazendas conjugadas e, em julho de 2009, foi assinado o contrato de parceria para a pesquisa. A Embrapa disponibilizava técnicos para acompanhamento, captura de animais, coleta de sangue e sêmen e exame de DNA. As fazendas entravam com a hospedagem, alimentação e toda a logística da equipe”, relata.
Sempre inquieto e disposto a se envolver no processo, Thomas participou efetivamente de várias etapas, sobretudo das expedições para a captura dos animais selvagens. Coube a ele, por exemplo, batizar um touro com no nome de T31. “Levamos 31 dias para capturá-lo”, explica.
Esse período foi uma verdadeira escola para que ele entendesse melhor as características e o comportamento destes animais. “São bovinos dispersos em dezenas de milhares de hectares dentro do Pantanal, em lugares de acesso muito complicado. Grande parte nunca foi manejada e muito menos contato com o ser humano. É extremamente difícil amansá-los. Tivemos de colocar cocho, sal e gado nelore nas imediações para só depois conseguir laçar um animal, derrubá-lo, amarrá-lo e transportá-lo com pá carregadeira até o mangueiro”, recorda.
Nestas expedições, conheceu também algumas particularidades do Bovino Pantaneiro, como o sistema coletivo de defesa contra os predadores naturais da região, em especial as onças. “As fêmeas escolhem uma madrinha que fica junto a um lote de 10 a 15 bezerros no centro de um circulo. As outras mães se colocam mais distantes. Enquanto isso, o macho dominante deste lote fica em uma linha mais periférica, monitorando eventuais riscos. No primeiro sinal de ameaça, ele emite um som extremamente agudo e alto. Neste momento, todas as fêmeas se juntam formando uma parede de proteção para as crias, enquanto machos de outros lotes se juntam ao primeiro para atacar o predador. É a estratégia para a sobrevivência desenvolvida ao longo de séculos no Pantanal", relata.
Também foi durante estas expedições que Thomas se viu em apuros, justamente em função deste instinto de defesa do animal. Segundo ele, ao mesmo tempo em que são dóceis no dia-a-dia, tornam-se agressivos se percebem ameaçados: “em 2011 éramos sete cavaleiros adentrando pela Fazenda São Bento na busca por animais selvagens. Logo topamos com um touro, que veio com tudo pra cima de gente. Escapamos no galope; graças a Deus os cavalos eram bons e rápidos. Existem riscos. Há histórico, na região de Cuiabá, de boi pantaneiro que furou um cavalo. Não chegou a matar o cavaleiro, mas dizem que foi por pouco”.
Jerry, pai de Thomas, orienta: “nunca se deve trabalhar sozinho com bovino pantaneiro. A qualquer momento um macho pode emitir um som, chamar outros e o grupo te atacar. Basta ver dois animais em briga para imaginar o que podemos passar. No embate, os machos trançam os chifres e torcem a cabeça até um derrubar o outro. Imediatamente, aquele que ficou de pé avança para furar o seu oponente, geralmente perto do pulmão ou do coração”.
Animais em piquete – preferência pela sombra não esconde o sangue europeu
Formação do rebanho
Em 2011 os norte-americanos decidiram fundar um núcleo de bovinos pantaneiros para avaliar seu desempenho no Cerrado. Escolheram para arrendar a Fazenda Santo Augusto, em Rochedo, MS. “Começou com 30 bovinos pantaneiros e chegou-se a 100, além de 170 novilhas nelore”, conta Thomas, que tomou a frente do projeto, representando a ONG.
O arrendamento teve inicio em novembro de 2011 e terminou em novembro de 2014. Neste intervalo (em 2012), Thomas decidiu investir pessoalmente nos animais. Adquiriu da Embrapa Pantanal, em leilão de patrimônio público, 42 pantaneiros e 98 fêmeas nelore, mantendo o lote na propriedade de Rochedo. A partir daí, conseguiu tocar experimentos de cruzamento.
“Kaplan também começou a tirar o pé, reduzindo sensivelmente o investimento no bovino pantaneiro. Nesse momento decidi vender animais nelore e um lote de vacas velhas pantaneiras para o Frigorifico Navicarnes, em Rochedo, e obtive dinheiro para comprar, no dia 04 de março de 2013, a Estância Dois Irmãos, no Pantanal, onde estamos. O arrendamento foi entregue e ele passou a se dedicar apenas às suas terras. Hoje já não presto mais serviço para a ONG, mas continuo apostando forte no bovino pantaneiro”, garante.
Fêmea de cinco anos do lote adquirido da Embrapa
Animal foi principal fonte de proteína durante Guerra do Paraguai
Bovinos foram introduzidos no Brasil desde os primeiros anos após a chegada de Pedro Álvares Cabral à região onde hoje é Porto Seguro, na Bahia. Os animais que deram origem aos grupos que posteriormente pavimentaram o caminho para as futuras raças naturalizadas brasileiras vieram da Península Ibérica, trazidos por exploradores de Portugal e Espanha (que ainda respeitavam o Tratado de Tordesilhas, acordo responsável pela divisão da posse do território sul-americano entre os dois países). Por aproximadamente 500 anos, estes bovinos passaram por seleções naturais e alguns grupos se adaptaram às condições de sobrevivência ditadas pelas regiões onde se fixaram.
De acordo com a ABCBP existem hoje no Brasil cinco grupos bovinos adaptados localmente, todos de origem taurina. O Crioulo Lageano, animal que se instalou na Região Sul é acostumado a extremos de frio e calor. O Junqueira, em Minas Gerais, tem alta tolerância a parasitas assim como a raça que provavelmente lhe deu origem: o Caracu, também desenvolvido em MG. O gado Curraleiro, também conhecido como “Pé Duro”, fixou-se em regiões de clima semiárido e de Cerrado, enquanto o Pantaneiro se desenvolveu nas planícies de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul.
Os estudos e pesquisas feitos até hoje garantem seguramente que os animais que originaram o bovino pantaneiro ocupam a planície do Centro-Oeste há pelo menos quatro séculos, tendo sofrido um processo de seleção e adaptação natural às condições ambientais. Até meados do século passado, foi base da economia da região pantaneira e principal fonte de proteína, sobretudo em situações limites de sobrevivência do homem, como na Guerra do Paraguai (1864 a 1870) quando sua carne era levada aos soldados em forma de charque (salgada e seca ao sol com o objetivo de mantê-la própria ao consumo humano por maior tempo possível).
Com a entrada no Brasil das raças zebuínas, originárias da Índia, a partir do final do século XIX em escala cada vez maior, foi inevitável o cruzamento. Os bons resultados obtidos foram, em geral, creditados ao zebu, o que fez com que as populações de gado adaptado fossem se reduzindo com o tempo.
Percebendo o risco da extinção destes grupos, a Embrapa criou mecanismos para o controle destas populações. Em 1984 implantou o Núcleo de Conservação in situ do Bovino Pantaneiro, em Corumbá, MS, integrando o Programa de Conservação de Recursos Genéticos Animais (RGAs) . Em 2010 o Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação (MCTI) criou as Redes Regionais de Pesquisa em Biodiversidadee Biotecnologia. A Rede 12 (Caracterização, Conservação e Uso das Raças Bovinas Brasileiras: Curraleiro e Pantaneiro) reúne hoje representantes da sociedade civil (geralmente pecuaristas), pesquisadores, professores universitários, alunos de pós-graduação, unidades da Embrapa e outros parceiros.