Publicado em 24/03/2017 13h13

Paralisação das exportações de carne é um desastre, diz analista

Reverter a situação é difícil no curto prazo e frigoríficos começam a interromper a compra de gado para abate
Por: Sebastião Nascimento

gado pronto
Preços da arroba do boi gordo já sofrem o impacto. Indicador do Cepea caiu mais de 2% em dois dias (Foto: Ernesto de Souza/Ed. Globo)

“É um desastre. O prejuízo causado agora dificilmente será recuperado.” Quem alerta é Elio Micheloni, pecuarista e corretor da Terra Investimentos, de São Paulo. Ele se refere ao anúncio da paralisação das importações de carne por 12 países, entre eles, China, Japão e União Europeia.

Segundo Micheloni, no curto prazo é muito difícil reverter a situação. “O que está acontecendo é que as câmaras dos frigoríficos estão ficando cheias e eles estão deixando de adquirir o produtos dos pecuaristas. Eu não vejo solução dentro de um prazo de 1 a 2 meses.”

A gigante JBS, por exemplo, maior indústria de carne bovina do Brasil, já reduziu de 25% a 30% os seus abates. Segundo especialistas, a empresa abate diariamente cerca de 25 mil bois. Outros grandes e pequenos frigoríficos espalhados pelo Brasil também diminuíram suas atividades. “Pelo menos 90% deles”, diz Micheloni.

Nesta quinta-feira (23/3), ela anunciou a suspensão da produção de carne em 33 das 36 unidades por três dias. Explicou que o objetivo é ajustar a produção até que haja uma decisão sobre as restrições, adotadas por vários países, que suspenderam a importação de carne brasileira.

“Estamos no meio da tempestade eu não estou vendo o fim dela ainda”, afirma Micheloni.

Confinamento

“A suspensão das exportações de carne torna grave o cenário”, alerta Alberto Pessina, presidente da Assocon, que representa os confinadores. “Os impactos já estão sendo sentidos. Se a situação melhorar, o quadro poderá ser revertido somente dentro de 3 ou 4 meses.”

Os confinadores começaram o ano otimistas, por conta da queda dos preços dos grãos utilizados na alimentação do gado. O ano de 2016 havia sido particularmente ruim para o confinador. O volume de gado fechado caiu 15% diante de 2015. Está prevista uma recuperação para este ano.

O confinamento no Brasil vai de maio a novembro de cada ano. Pessina diz que a operação Carne Fraca e a consequente paralisação das exportações espalhou incertezas no setor. Ele adianta que é cedo para fazer uma avaliação, mas os prejuízos já são palpáveis. “A questão é saber quanto tempo vai durar esse cenário. Espero que tudo seja revertido nos próximos meses.”

Mas atenção: Se a situação não melhorar, o confinador pode até tomar uma atitude conservadora, e fechar menos bois, segundo Pessina, cuja planta fica em Mato Grosso.

Ele avisa que os preços da arroba já estão sendo impactados. O indicador do boi gordo do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq/USP) foi cotado ontem a R$ 142 na arroba, em queda de 2,2% em apenas dois dias. (veja gráfico abaixo)

No comentário sobre o mercado da pecuária bovina, divulgado nesta quinta-feira, o Cepea comenta que o setor vive um momento bastante delicado. “Assustados e preocupados com as possíveis repercussões, muitos representantes de frigoríficos consultados suspenderam as compras ou pressionaram com força os valores na aquisição de novos lotes”, diz a nota.

Sem pânico

O professor da Esalq/USP, Sérgio de Zen, responsável pela área de pecuária do Cepea reconhece que o cenário é bastante difícil, mas não vê motivo para pânico. Na opinião do professor, Operação Carne Fraca, deflagrada pela Policia Federal no dia 17 deste mês, está mostrando que a fiscalização funciona bem no Brasil.

“Nós erramos foi na maneira de divulgar o ocorrido. A repercussão foi negativa dentro do Brasil e também internacionalmente, o que levou os 12 países a suspenderem as importações de carne”, diz ele.

De Zen ressalta que nenhum outro país consegue competir com o Brasil na produção de carne bovina. “Esse é um dos motivos que me deixa otimista em relação ao desfecho do caso. Não há alternativa para os importadores de carne. Nenhum outro exportador produz volume semelhante ao do país.”

O professor diz que, se a situação ficar complicada, ele teme mais pela avicultura. “É que há outros fortes países produtores de frango, ao contrário do boi”, afirma.

Sergio De Zen afirma ainda que está mais preocupado com os pequenos produtores de carne bovina, de aves e de suínos. “Eles estão desprotegidos, são pelo menos 10 milhões dentro das porteiras, e podem ficar desempregados.” Segundo ele, é diferente da indústria, que perde valor mas recupera com o retorno da confiança.

No pasto e no cocho

Analista da FNP, José Vicente Ferraz, também acredita que os prejuízos começaram. “O momento não é de otimismo. Eu queria observar que os concorrentes no mercado externo estão de olho no Brasil, que é o maior exportador mundial de carne de frangos e o segundo de carne bovina.”

Ele acredita que a situação pode sim deixar o confinador e o pecuarista preocupados. “Quem engorda no pasto ainda consegue segurar o boi por mais tempo até a situação normalizar-se. Já o confinador encontra obstáculos, pois manter o boi no cocho é bem mais caro”, diz ele, ressaltando que “nada é definitivo, ainda”.

A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) informa que indicadores apontam para fortes retrações nos níveis de exportações de produtos cárneos do Brasil, com a suspensão das vendas para diversos dos mais importantes mercados importadores da Ásia, Europa, África e América. Para a entidade, é fundamental que se mantenham discursos objetivos que evitem sustentar a ideia de fraudes sem a conclusão das averiguações.

Segundo a ABPA, o Brasil é líder mundial nas exportações de carne de frango e quarto maior exportador de carne suína. “Graças ao trabalho de órgãos governamentais, associações e empresas, o Brasil é reconhecido pela qualidade de suas carnes, em caminho semelhante ao percorrido por suíços com relógios, franceses com vinhos, japoneses e alemães com carros, entre outros exemplos.”

A carne de frango é a mais consumida pelo brasileiro, com média anual superior a 40 quilos por habitante/ano. Em terceiro lugar, a carne suína tem consumo médio de 15 quilo por habitante.  “São números que atestam o papel protagonista assumido pelos setores na segurança alimentar do Brasil e do mundo. Uma posição que, agora, lutamos para manter, juntamente com os 4,1 milhões de empregos diretos e indiretos gerados pela avicultura e pela suinocultura do país”, informa.

Mercado árabe

Por iniciativa da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, representantes do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) se reuniram quarta-feira (22), em Brasília, com o Conselho dos Embaixadores Árabes para prestar esclarecimentos sobre a qualidade das carnes produzidas e exportadas pelo País.

No encontro, o secretário de Relações Internacionais do Ministério, Odilson Luiz Ribeiro e Silva informou que “até o momento, do ponto de vista da investigação no âmbito do Ministério, não há nenhuma ação que possa indicar riscos na certificação dos alimentos vendidos lá fora ou no mercado interno”. O Mapa distribuiu documento com dados técnicos aos diplomatas e se comprometeu a mantê-los informados sobre os desdobramentos do caso.

“A maior parte do Conselho participou da reunião e as explicações foram satisfatórias”, disse o decano do conselho e embaixador da Palestina, Ibrahim Alzeben. Além dele, participaram do encontro diplomatas da Arábia Saudita, Argélia, Egito, Mauritânia, Iraque, Marrocos, Kuwait, Omã, Líbano, Sudão e Líbia. “Houve debate e perguntas, e o secretário distribuiu um documento confirmando que não existe nenhum risco sanitário nos alimentos”, afirmou Alzeben. 

A abertura de um canal de diálogo entre o Mapa e os embaixadores árabes foi vista como muito positiva pelos participantes. “Promover esta integração faz parte da missão da Câmara Árabe”, disse o presidente da Câmara Árabe, Rubens Hannun.

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