Fundamental para garantir água, alimentos e condições necessárias para a biodiversidade, o solo bem conservado também é aliado na proteção do planeta contra o aquecimento global. O cenário é preocupante, já que 33% dos solos do mundo estão degradados por erosão, salinização, compactação, acidificação e contaminação, de acordo com estudo coordenado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Já em 2016, quando o diagnóstico global assinado por cerca de 200 especialistas de 60 países foi publicado, a FAO alertava que se ações concretas não fossem tomadas por indivíduos, instituições e tomadores de decisão, a tendência seria de piora das condições.
O engenheiro florestal André Ferretti, gerente de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), ressalta que a terra exposta, quando atingida diretamente por raios de sol, perde parte da matéria orgânica e emite gases que vão parar na atmosfera. O especialista explica que a conservação do solo deve ser pensada em conjunto com a redução do desmatamento e das queimadas, além da restauração de ecossistemas, como florestas, manguezais e restingas, incluindo ainda o equilíbrio entre a produção de alimentos e a conservação da natureza.
“A conservação do solo é essencial para a adaptação às mudanças climáticas. Quanto mais preservado ele está, mais equilibrado ficam os ecossistemas. A superfície em boas condições mantém a vegetação, a fauna e o equilíbrio tanto do ecossistema natural quanto do antropizado (modificado pelo ser humano). Se o solo está bem protegido, a vegetação natural que ocorre ali continua fazendo suas funções, permitindo que as diferentes formas de vida se desenvolvam naquele lugar”, explica Ferretti.
Nos ciclos da agricultura, o solo bem conservado necessita de menos adubação, menos irrigação e menos intervenções em geral. “Por outro lado, a superfície desprotegida necessita de mais agroquímicos, muitos deles geram emissões de gases de efeito estufa, que são uma das principais fontes de emissão na agropecuária”, afirma o especialista. No Brasil, as alterações no uso do solo, causadas especialmente por queimadas e desmatamento, são a principal causa das emissões de gases que provocam o aquecimento do planeta.
O empobrecimento do solo pode ocorrer pela aplicação inadequada de diferentes práticas agrícolas. “Irrigação e manejo do solo precisam ser feitos de maneira correta. A adubação não pode ser excessiva, não deve haver uso abusivo de máquinas que compactam o solo. Os animais também devem ser manejados de acordo com a capacidade de suporte do solo”, afirma Ferretti.
A degradação do solo também coloca em risco a disponibilidade de água para a população. “Com a perda de vegetação, a terra está perdendo a capacidade de infiltração e de armazenamento de água. Com o desmatamento e a produção cada vez mais intensiva no campo, a terra fica mais compactada e exposta à chuva e ao sol. Sem a cobertura vegetal que funciona como proteção natural, a água infiltra muito menos e escorre muito mais, causando erosão e provocando perda de nutrientes. Além disso, quando a água não consegue infiltrar no solo, também ocorrem as enchentes e inundações”, explica.
O especialista explica ainda que a conservação do solo deve ser priorizada para proteger a região costeira. “Nas áreas próximas ao litoral, a perda do solo pela erosão costeira é a questão mais preocupante. Sem os ecossistemas que protegem a costa, pode ocorrer a perda de terrenos e o mar começa a invadir e danificar a infraestrutura dos municípios litorâneos. Preservar os manguezais, as áreas de restinga e os recifes de corais são ações estratégicas para defender a costa. O solo bem conservado, com o auxílio dos ecossistemas naturais, é a melhor forma de proteção das comunidades que vivem próximas do mar contra ressacas, tempestades, furacões e outros fenômenos extremos que devem se intensificar com as mudanças climáticas”, afirma.
Diante do desafio de conservar melhor os solos e recuperar parte dos terrenos degradados, Ferretti ressalta que é necessário aprender com a própria natureza. “É possível usar técnicas que simplesmente restauram a vegetação nativa para promover a ciclagem dos nutrientes e recuperar a fertilidade do solo. As raízes das árvores puxam nutrientes de áreas mais profundas que depois são depositados na superfície por meio das folhas, dos galhos e dos frutos que vão caindo”, frisa o gerente da Fundação Grupo Boticário.
Além de restaurar áreas degradadas, outra possibilidade de melhorar a conservação do solo é a promoção de atividades agrícolas e pecuárias associadas com árvores, que são os sistemas agroflorestais ou sistemas silvipastoris. “É a combinação de faixas de árvores com áreas de pasto ou de agricultura, mesclando também culturas agrícolas de menor e maior porte. É perfeitamente possível inserir árvores dentro do sistema produtivo de alimentos e agroenergia”, argumenta.