Publicado em 27/09/2018 18h50

Direto na raiz!

Mato Grosso do Sul sai na frente em irrigação subterrânea de pastagens. De forma inédita, fazenda em Nova Andradina enterra uma rede de 222 km de tubos gotejadores, racionaliza o uso da água e explode em produtividade de carne
Por: Ariosto Mesquita - Nova Andradina, MS

Texto e fotos - Ariosto Mesquita - de Nova Andradina, MS 

 

Os responsáveis por este feito são Hiury Emílio Izzo (38 anos) e seu pai, Gilmar José Izzo (68 anos). Há quatro anos, os dois iniciaram um projeto na Fazenda Santana do Rio Abaixo, de 429 hectares (ha), que hoje, caminhando para o final de 2018, está consolidado e serve de referência de pecuária sustentável e eficiente no Brasil. Até o final da primeira metade da década, a propriedade estava longe de ser um modelo produtivo. A atividade de recria e engorda de bovinos cruzados (1/2 sangue Nelore/Angus) era limitada aos índices médios do país, produzindo aproximadamente quatro arrobas (@) de carne/ha/ano. Na safra 2016/2017 pulou para 8,9 @/ha/ano, um salto de 122,5%.

Mais impressionante foi a produtividade na área específica do projeto: 88@/ha/ano. Tudo graças à implantação de um sistema que lega água e nutrientes (nutrirrigação), gota a gota, diretamente às raízes do capim. Além da eficiência para a produção de volumoso o ano inteiro, o sistema demostrou alto nível de sustentabilidade na medida em que usa pouca vazão de água e ainda evita o seu desperdício como acontece em outros modelos de irrigação.

Tudo começou com a decisão de investimento na propriedade. Em 2013, pai e filho tinham uma reserva financeira, insuficiente para adquirir mais terras em condições de elevar a produção, mas talvez adequada para tecnificar parte da propriedade. Hiury e Gilmar já haviam apostado em confinamento, integração lavoura-pecuária (ILP) e na produção de volumoso (silagem de cana e de sorgo) para encarar os meses secos, frios e de geadas que todos os anos castigam a região. “Nada deu muito certo”, conta Hiury.

Neste momento surgiu a ideia de irrigar uma pequena área para produção de milho visando o seu uso no cocho, para a terminação do gado no inverno. Por indicação de um amigo, os dois visitaram a Agrishow 2013, em Ribeirão Preto, para conhecer um modelo de irrigação subterrânea por gotejamento que estava sendo apresentado pela John Deere Water, divisão da multinacional norte-americana, hoje incorporada pela israelense Rivulis.

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Os proprietários Gilmar e Hiury junto ao pasto com irrigação subterrânea

De lá saíram com contrato fechado para implantação de um projeto em 20 hectares. “Pagamos na época, R$ 14 mil por hectare implantado, algo duas vezes superior à irrigação convencional, por aspersão”, revela Hiury. No entanto, a instalação da estrutura atrasou. Para produzir comida para os meses secos, o milho teria de ser plantado até outubro de 2013, mas o sistema só ficou pronto no final de março de 2014. “Já era tarde para semear o milho safrinha, mesmo irrigado, por causa dos altos riscos de geada”, conta o pecuarista, também advogado atuante na região do Vale do Ivinhema.

Neste momento veio o conselho do pai: “Compre semente de capim e plante pasto”. Hiury abraçou a ideia apesar da enorme incerteza que carregava: “Eu já tinha visitado algumas áreas de capim irrigadas com pivô central na região. Hoje todos estes projetos não existem mais”. Mas o novo modelo - que prevê uma rede de tubos enterrada a uma profundidade média de 30 cm, com 90 cm entre linhas e gotejadores a cada 50 cm lineares – chamou a sua atenção pela teórica eficiência propagada pelos vendedores: “A promessa era de uma economia de 50% em água e energia em relação ao consumo dos modelos em aspersão, além de uma eficiência tremenda por levar água e adubo líquido direto na raiz da planta. Uma injeção na veia, como muitos falam até hoje”.

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Tubos de irrigação são enterrados em uma profundidade média de 30 cm em relação à superfície

O capim Mombaça foi semeado em 14 hectares. O restante da fazenda (pasto em sequeiro) usa também o Mombaça além do capim Xaraés e da Braquiária Brizanta. Hiury ainda experimentou milho nos outros seis hectares, apesar do plantio tardio em 28 de março. “Mesmo assim a produtividade foi de 120 sacas/ha. Bom como safrinha e pelas condições climáticas da região”, avalia. A surpresa, no entanto, veio com o que proporcionou o capim irrigado, que começou a ser pastejado em 1º de julho. O primeiro lote foi de 80 bois de 500 kg, em média. O grupo permaneceu dois dias em cada piquete. Como o gado vinha de um semiconfinamento, o pecuarista usou a mesma ração nos cochos da área irrigada, mas os animais não comiam.

“Retiramos a ração e deixamos o sal mineral. Nem isso o gado queria. Depois fui entender: Este lote foi tirado de um capim mombaça, em sequeiro, no mês de junho; já amarelado e sofrido. Quando o grupo entrou em uma área verdejante e farta em alimento natural, priorizou o seu consumo. O ganho médio diário (GMD) foi de um quilo e sobrou pasto. Estes animais foram terminados 70 dias depois, em 10 de setembro, com peso médio de 570 kg”, conta.

Hiury ainda insistiu no plantio de milho, dessa vez de verão (2014/2015) em seis hectares. A produtividade foi de 227sacas/ha. “Era milho que não acabava mais”, conta Hiury. O cereal foi usado como matéria prima na pequena fábrica de ração que supria as eventuais necessidades de suplementação, sobretudo dos animais que chegavam da Fazenda São José da Prata, em Paranhos, MS (2080 ha), também da família e cuja atividade de cria abastece a demanda da propriedade de Nova Andradina.

Do milho para o pasto

Mas Hiury começou a perceber que o cultivo do cereal exigia muito e que o pasto irrigado respondia melhor ao perfil pecuário da fazenda. “A gente já estava rodando 200 novilhas em 14 hectares e o milho tomava tempo e mão-de-obra com aplicação de insumos químicos e monitoramento”, conta. Novamente ele ouviu a orientação do pai. “Plante só pasto”, disse ‘seo’ Gilmar.

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Comida de sobra e alta lotação nos piquetes com irrigação enterrada

E foi assim que, em 2015, um projeto originalmente voltado para irrigação agrícola, que leva subterraneamente água e nutrientes para a planta, tornou-se 100% pecuário. Em 2017, estes 20 hectares produziram 1760 arrobas de carne, representando uma produtividade de 88@/ha/ano a um custo equivalente a 23@/ha/ano, elevando a média em toda a fazenda de 4 para 8,9@/ha/ano.  

“Trabalhamos com 14 piquetes. Nas águas, os animais ficam 36 horas em cada, resultando em um descanso de 22 dias por piquete, uma redução de 10 dias se comparado ao manejo convencional. Atualmente (abril), o sistema recebe 175 animais com peso médio de 500 kg”, detalha o pecuarista.

Em função da complexidade do sistema, Hiury mantem o economista Ruy Padula, que supervisiona outros projetos pelo País, na gestão da irrigação. Ele estabeleceu, por exemplo, a atual estrutura de manejo para o período mais seco, entre junho e setembro, quando o volume de animais continua o mesmo do período das águas. O que muda, segundo ele, são a categoria e o intervalo entre pastejos. “Entramos com novilhas e o período de descanso para cada piquete sobe para 33 dias”.

Economia e faturamento

Padula lembra que a injeção de água e nutrientes diretamente nas raízes da forrageira permitiu a redução de custos com a suplementação. “Nossa média hoje é de 1,2 quilo/animal/dia, pouco mais de 0,2% do peso vivo, contra cinco quilos de ração por cabeça no manejo convencional. Por ser um preparado de baixo nível de proteína, o custo fica em um patamar bem interessante: na casa de R$ 0,62/animal/dia. A mistura convencional já sobe para R$ 3,10/animal/dia”, conta. Em ambos, ele trabalha com ração energética nas águas (milho e núcleo) e proteica na seca (milho, soja, ureia e núcleo).

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Pasto verdejante e de alta produção o ano todo

Com um retorno de 65@/ha (88@ produzidas - 23@ de custo equivalente) e considerando o preço pago pela @ em R$ 136, o faturamento líquido na área do projeto em 2017, segundo Padula, foi de R$ 8.840/ha. “Consideramos, neste caso, que o sistema de irrigação não foi financiado. O proprietário pagou com recursos próprios”, explica. Segundo seus cálculos, a despesa por hectare ficou em R$ 3.026/ano divididos entre adubação (R$ 1.808/ha), suplementação (R$ 918/ha) e energia (R$ 300/ha).

A estrutura de irrigação subterrânea da Fazenda Santana do Rio Abaixo conta com uma extensão de 222 quilômetros de tubos (mangueiras) enterrados e um total de 444 mil unidades gotejadoras. A água é captada em poço semi-artesiano e armazenada em reservatório com capacidade para sete milhões de litros. Ela segue bombeada para o pasto, boa parte das vezes simultaneamente à adubação (preparada em tanques específicos). A tecnologia, de origem israelense, é conhecida como nutrirrigação.

“Duvido que a John Deere nos vendesse e concedesse garantias em toda uma estrutura dessas se soubesse que ela seria usada para irrigar capim”, comenta Gilmar. A novidade, segundo conta, “incomodou” a vizinhança. “Fomos chamados de loucos aqui no Mato Grosso do Sul”, completa. Seu filho não esconde certa mágoa de alguns colegas pecuaristas: “No início da implantação muitos perguntavam se era um bom negócio. Na verdade queriam a nossa desgraça. esperavam que quebrássemos. Hoje perguntam maliciosamente se ainda está funcionando e se a área está com gado ou lavoura. Cansei. Faço conversa curta e digo que tenho uns boizinhos pastando”.

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Hiury Emílio Izzo: “Eu digo que tenho uns boizinhos pastando”

Atualmente o projeto da Fazenda Santana do Rio Abaixo é considerado o único consolidado em pastagens para pecuária de corte no Brasil. A tecnologia ainda “assusta” o pecuarista. A Rivulis informa que tem cinco projetos em andamento, irrigando 150 ha de pastos em terras brasileiras. A meta é terminar 10.000 boi/ano com irrigação subterrânea até 2021.

A Netafim, outra empresa israelense que oferece a tecnologia no Brasil, trabalha uma unidade no interior de São Paulo, mas ainda em fase inicial de produção (finalizando sua primeira safra). Na fazenda de Hiury e Gilmar, em Nova Andradina, o sistema já está contabilizando a sua quarta safra.

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Reservatório tem capacidade para armazenar sete milhões de litros de água


Custo é “aberração” mas sistema “funciona”, diz professor

“Considero uma aberração pagar entre R$ 16.000 e R$ 20.000 por hectare para implantar um sistema de irrigação de pastos, mas se está dando retorno, tudo bem”. O comentário é do professor Fernando Braz Tangerino Hernandez, titular da área de Hidráulica e Irrigação da Faculdade de Engenharia da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Ilha Solteira, SP. Sua opinião sobre o custo não invalida o resultado. “Esse é o meu ponto de vista, mas o que importa é a satisfação do cliente”, completa.

Hernandez admite que o gotejamento subterrâneo é funcional para a pecuária brasileira no mesmo nível dos sistemas de aspersão convencional (pequenos aspersores e/ou canhões com carretel) e de aspersão por pivô central. “O gotejamento enterrado funciona muito bem. A restrição que faço é quanto à disponibilidade de mão-de-obra qualificada na fazenda para fazer acompanhamento e manutenção. O rigor operacional é muito grande. O monitoramento da vazão é essencial. Como a estrutura é subterrânea, não estamos vendo o seu funcionamento e podem ocorrer entupimentos”, lembra.

O especialista alerta ao pecuarista interessado em investir em irrigação de pastagens a procurar uma “empresa séria” na atividade para a devida orientação em que apostar. “Não estou falando das fabricantes, pois elas vão tentar vender o que produzem, mas sim das revendas especializadas no setor. Loja de material de construção não faz projeto de gotejamento subterrâneo assim como não se compra pivô no mercado da esquina”, avisa.

De acordo com o professor da UNESP, além do acompanhamento de um especialista de confiança, o pecuarista deve considerar quatro itens que, segundo ele, são determinantes para bons resultados na irrigação: uniformidade na quantidade de água aplicada; o correto suprimento das necessidades de evapotranspiração, montagem adequada e eficiente além do uso de equipamentos de qualidade.